Cavar bem, no lugar errado, é cavar mal!
Você concorda com a frase acima? Eu sim. E vou falar aqui o que isso tem a ver com futebol. Faz um certo tempo que existe uma tendência a hipervalorizar instrumentos, máquinas, números, tecnologia, aparelhagem, etc. É muito GPS, software, campos milimetricamente medidos para realização de jogos reduzidos e muitos “cientistas esportivos/especialistas” entrando no futebol para tentar explicar o inexplicável.
Atenção. Não sou radicalmente contra tudo isso. Penso que existem áreas e contextos onde realmente todo esse aparato tecnológico trouxe evolução ao jogo, ao esporte e ao negócio (sim, o futebol também é um negócio). A análise de desempenho é uma delas. Composição de elenco e análise de mercado, idem. Prevenção/ recuperação de lesões é outra. Mas isso não quer dizer que tenhamos que descartar tudo o que era feito antes ou que passar a confiar cegamente em qualquer dado, pois o JOGO é muito mais do que isso… é preciso vivência e capacidade de discernimento para separar o joio do trigo. É necessário ter CLAREZA E VISÃO.
Caso contrário, cavaremos belos buracos, com os mais modernos equipamentos, em menos tempo que antes, com menos barulho, mas esses buracos não nos levarão ao tesouro escondido embaixo da terra… e aí está grande diferença entre o líder e o chefe.
O treinador que tem CLAREZA e VISÃO, analisa o contexto e busca implantar seu melhor modelo de jogo possível para aquele momento. A partir daí ele comunica essa visão e passa a construir o caminho, trabalhando com um foco específico, determinando os melhores instrumentos e ferramentas a serem usados, além de mostrar quando e como usá-los. Cada exercício praticado tem um porquê, um sentido e um significado que está atrelado à visão e ao modelo de jogo. Toda e qualquer atividade está direcionada a criar meios de a equipe ser capaz de operacionalizar essa visão.
Já o treinador que não tem essa visão clara, pode até usar o melhor programa de estatística, criar treinos com jogos reduzidos que darão um ar “moderno” ao seu trabalho ou monitorar os atletas com GPS, mas está apenas cavando belos buracos, no lugar errado. Portanto, cavando mal. Quando inexiste uma visão… é o treino pelo treino ou o jogo pelo jogo. Falta essência.
O paradoxo é que mesmo assim, ainda é possível ganhar e ser campeão, pois no futebol o imponderável tem um grande peso no resultado.
Fico por aqui deixando uma provocação. Toda casa que se preze tem um bom alicerce. Uma base sólida sobre a qual ela é erguida. E ninguém a vê. E você, tem cuidado da sua base? Está se ocupando com o essencial e fundamental ou dando mais valor ao que é acessório? Pense nisso e não esqueça: cavar bem, no lugar errado, é cavar mal.
Um forte abraço. E não pare, pois vida é movimento.
Marcelo Salazar
20.10.2022
A geração Peter Pan chegou no mercado de trabalho.
E agora?
Tudo bem? Peter Pan vive na terra do nunca e quer ser criança para sempre, pois ser criança implica poder seguir potencialmente qualquer caminho. O processo de se tornar adulto requer abdicar de vários caminhos e escolher um. Crescer dói. E geração Peter Pan quer ser poupada das dores do processo, mas não tem consciência que isso os afasta da oportunidade do crescimento. Muitos desistem dos processos ao esquecerem do propósito.
Você já ouviu a seguinte frase: “essa molecada de hoje em dia está perdida. Só querem ser elogiados o tempo inteiro.” Isso começou em casa, com pais bem-intencionados que, seguindo conselhos de “especialistas” e querendo aumentar a autoestima de seus filhos, dizem recorrentemente que eles são inteligentes, belos e talentosos (fortalecendo assim a criação de mentalidade fixa).
Pois bem, esses “filhos do louvor” chegaram e seguirão chegando no futebol profissional. No mundo corporativo, existem empresas que estão substituindo os bônus anuais por bônus trimestrais, mensais, semanais. Tem até “funcionário do dia”. Recompensa imediata. Incapacidade de adiar a gratificação.
O futebol é um meio glamourizado onde pode-se ficar rico e famoso cedo, mas ao mesmo tempo requer que o atleta assuma riscos, tenha paciência, persistência, visão de longo prazo e capacidade de aprender com os próprios erros. Será que o fato de cada vez mais jogadores veteranos manterem-se no topo deve-se em algum grau à fortaleza mental deles (fruto, em alguma medida, da época em que cresceram) e à fraqueza mental dos mais jovens (fruto, em algum grau, desse ambiente “meigo” atual)?
O que podemos fazer? Penso que como gestor, treinador e professor, é meu DEVER contribuir para uma melhor formação global de meus atletas. Se estamos de acordo que os elogios desmedidos e focados no suposto “talento inato” e “inteligência” contribuem para a formação de indivíduos frágeis, dependentes e com mentalidade fixa (incapazes de lidar com o fracasso e avessos a desafios que ponham em dúvida esse suposto “talento”) então talvez uma medida prática que podemos adotar para tentar de alguma maneira virar o jogo, será estar atentos ao TIPO DE ELOGIO ou feedback que emitimos.
Todos fomos crianças um dia. Hoje somos educadores e treinadores e sabemos o poder de um bom feedback. Que tal revisar nosso acervo de elogios e, ao invés de falar “tu és bom pra caramba”, digamos que “tens melhorado bastante” ou “sua bela atuação hoje foi fruto de seu esforço ao longo do da semana”. Que tal elogiarmos a pro atividade, a persistência, o esforço, a capacidade de lidar com fracassos, de aprender coisas novas e de evoluir constantemente? Faz sentido para você?
Tenho certeza de que nada muda do dia para a noite. São as ações consistentes ao longo do tempo que criam culturas. E como educadores e líderes, uma de nossas atribuições é criar ambientes sadios de desenvolvimento pessoal e profissional.
Forte abraço. Saúde e paz.
Marcelo Salazar
13.09.2022